Prescrição como uma exceção material

A cada violação de um direito subjetivo, nasce uma pretensão do titular do direito violado, que poderá ser assegurado através de uma ou mais ações judiciais.

O direito subjetivo é a promessa de tutela. Promessa do adimplemento de uma dívida, do cumprimento de norma legal ou contratual, ou ainda, da reparação de um dano. Já a pretensão consiste na realização do direito subjetivo violado, assegurado através de ações judiciais.

Entretanto, o titular de um direito não pode exercê-lo a qualquer tempo, mantendo situações jurídicas pendentes por prazo indeterminado. Se houvesse essa possibilidade de pendências jurídicas eternas, certamente haveria insegurança jurídica e instabilidade social.

Sobre o tema, ensina Sílvio de Salvo Venosa que:

“O direito exige que o devedor cumpra sua obrigação e permite ao credor valer-se dos meios necessários para receber seu crédito. Se o credor, porém, mantém-se inerte por determinado tempo, deixando estabelecer situação jurídica contrária a seu direito, este será extinto. Perpetuá-lo seria gerar terrível incerteza nas relações sociais.”[1]

Por essa razão existe a prescrição no regime jurídico, prazo legal estabelecido para do titular do direito violado exercer a pretensão (CC, arts. 205 e 206).

Se não houvesse a prescrição, seríamos obrigados a guardar todos os documentos referentes aos negócios jurídicos celebrados durante a vida, por tempo indeterminado, guarda que se estenderia inclusive aos documentos de gerações anteriores.

Segundo o Professor Nelson Rosenvald, “a prescrição pode ser conceituada como um fato jurídico que cria uma exceção de direito material apta a propiciar ao devedor o poder de paralisar a eficácia da pretensão do credor.“[2]

Para que ocorra a prescrição, são necessários os seguintes elementos: a) Existência de uma pretensão, que possa ser assegurada em juízo por uma ou mais ações; b) Inércia do titular da ação; d) Continuação da inércia do titular da ação por certo tempo; e) Inexistência de causas impeditiva, suspensiva ou interruptiva da prescrição.[3]

A prescrição não extingue o direito subjetivo ou a pretensão do titular do direito, gera apenas uma exceção de direito material, “técnica de defesa que alguém tem contra quem não exerceu, dentro do prazo estabelecido em lei, sua pretensão.”[4]

Em outras palavras, a prescrição não impede o titular de direito de exercer sua pretensão, isto é, ajuizar a ação competente para assegurar seu direito violado, apenas neutraliza a eficácia da pretensão, suprimindo sua exigibilidade judicial.

Isso porque, mesmo ocorrendo a prescrição, o devedor poderá renunciá-la, como direito material disponível, em razão da legitimidade da pretensão do credor, admitindo-se a execução da obrigação prescrita, conforme prevê o artigo 191 do Código Civil.

Art. 191. A renúncia da prescrição pode ser expressa ou tácita, e só valerá, sendo feita, sem prejuízo de terceiro, depois que a prescrição se consumar; tácita é a renúncia quando se presume de fatos do interessado, incompatíveis com a prescrição.

O direito subjetivo do titular do direto, também não é suprimido pela prescrição. Mesmo havendo o reconhecimento em Juízo da prescrição, e a consequente extinção da ação, eventual adimplemento consensual da obrigação prescrita é admitida pelo ordenamento jurídico. A prescrição neutraliza a pretensão, mas não extingue o direito. Neste sentido, dispõe o artigo 882 do Código Civil.

Art. 882. Não se pode repetir o que se pagou para solver dívida prescrita, ou cumprir obrigação judicialmente inexigível.

A prescrição é uma técnica de defesa, que poderá ser alegada como uma exceção de direito material disponível, com a finalidade de neutralizar a eficácia da pretensão, porém, a prescrição não extingue a pretensão ou suprime o direito subjetivo.

 

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Referências

[1] VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: parte geral. 14ª Ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 585/586

[2]ROSENVALD, Nelson. Prescrição: da exceção à objeção. (Artigo disponível em: http://portal.damasio.com.br/Aluno/VerMaterial.aspx?id=96713).

[3] Diniz, Maria Helena. Curso de Direito Civil, 1º volume: teoria geral do direito civil. 24 ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 387.

[4] Diniz, Maria Helena. Curso de Direito Civil, 1º volume: teoria geral do direito civil. 24 ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 383.

BIBLIOGRAFIA

– ROSENVALD, Nelson. Prescrição: da exceção à objeção. (Artigo disponível em: http://portal.damasio.com.br/Aluno/VerMaterial.aspx?id=96713).

– Diniz, Maria Helena. Curso de Direito Civil, 1º volume: teoria geral do direito civil. 24 ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

– VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: parte geral. 14ª Ed. São Paulo: Atlas, 2014.

– FONSECA, Fernanda Cristina de Moraes. Alterações Relativas à Prescrição e Decadência no novo Código Civil. (Artigo disponível em: http://bdjur.stj.jus.br/xmlui/bitstream/handle/2011/18144/Altera%C3%A7%C3%B5es_Relativas_%C3%A0_Prescri%C3%A7%C3%A3o.pdf?sequence=2);

– FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil, v. 1. 11ª ed. São Paulo: JusPODIVM, 2013 (Capítulo VIII – Prescrição e Decadência).

Conversão do negócio jurídico

Trata-se da hipótese no ordenamento jurídico em que o negócio jurídico nulo, praticado em desobediência as disposições legais, não surte seus efeitos ou prevalece na forma pretendida, mas pode ser convertido em negócio jurídico distinto válido.

Através da conversão do negócio jurídico, aproveita-se o ato jurídico praticado pelas partes, convertendo o ato nulo em outro de natureza distinta, quando não obstado pelo ordenamento jurídico.

Maria Helena Diniz explica que a conversão do negócio jurídico:

“Refere-se à hipótese em que o negócio nulo não pode prevalecer na forma pretendida pelas partes, mas, como seus efeitos são idôneos para caracterizar outro, pode ser transformado em outro de natureza diversa, desde que isso não seja proibido, taxativamente, como sucede nos casos de testamento.”[1]

Atendendo ao princípio da conservação do negócio jurídico, o Código Civil, através da conversão do negócio jurídico, ofereceu às partes que travaram negócio jurídico nulo a possibilidade de atingir a finalidade almejada (CC, art. 170).

Para a conservação do negócio jurídico é preciso haver no negócio nulo os elementos necessários para um negócio de natureza distinta, cujo resultado deve ser a vontade das partes, se tivessem a ciência da nulidade do negócio celebrado.

Sobre os requisitos para a conversão do negócio jurídico, ensina Maria Helena Diniz que:

“A Conservação estará, então, subordinada não só a um elemento subjetivo, ou seja, à intenção das partes de dar vida a um contrato diverso, na hipótese de nulidade do contrato, que foi por elas estipulado, mas também formal, por ser imprescindível que, no contrato nulo, tenha havido observância dos requisitos de substância e de forma do contrato em que poderá ser transformado, para produzir efeitos.”[2]

A conservação do negócio jurídico, em síntese, preserva o que for possível do ato nulo praticado, transformando-o em outro ato válido, conservando o negócio e a vontade das partes. Nesse sentido, podemos destacar a conservação do negócio quando, por exemplo, uma escritura pública nula de venda e compra de bem imóvel pode ser admitida como instrumento particular de venda e compra, ou então, uma doação de coisa inalienável pode ser admitida como constituição de usufruto.

 

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Referências

[1] Diniz, Maria Helena. Curso de Direito Civil, 1º volume: teoria geral do direito civil. 24 ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 538.

[2] Diniz, Maria Helena. Curso de Direito Civil, 1º volume: teoria geral do direito civil. 24 ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 539.

BIBLIOGRAFIA

– Diniz, Maria Helena. Curso de Direito Civil, 1º volume: teoria geral do direito civil. 24 ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

– VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: parte geral. 14ª Ed. São Paulo: Atlas, 2014.

A Família e o Direito

“A família é o núcleo natural e fundamental da sociedade e tem direito à proteção da sociedade e do Estado”,¹ é o primeiro agente socializador do ser humano, trata-se de uma célula da sociedade de estrutura pública com a natureza de relação privada, que caracteriza o vínculo familiar de determinada pessoa e sua participação no contexto social. Em razão disso, a família pode ser considerada como a base da sociedade, portanto, necessita de uma especial tutela do Estado.

O Direito das Famílias, expressão que melhor atende a necessidade da acepção jurídica do termo, pois ao invés do termo Direito de Família, aquela visa alcançar todos os tipos de família, sem preconceitos ou distinções. Trata das relações pessoais entre os indivíduos da sociedade, relações que sofrem constantes mudanças advindas de diversos fatores do mundo atual, em especial as modificações culturais e científicas, a globalização e a própria inquietação das relações sociais e familiares cujos reflexos incidem diretamente na estrutura da sociedade e consequentemente no Direito².

Na opinião de Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka “a família é uma entidade histórica, ancestral como a história, interligada com os rumos e desvios da história ela mesma, mutável na exata medida em que mudam as estruturas e a arquitetura da própria história através dos tempos, a história da família se confunde com a própria humanidade”³.

O conceito autoritário e hierárquico de família proveniente da Roma antiga, onde a família era chefiada sob a autoridade absoluta do ascendente comum e mais velho, o pater famílias, deu lugar à democratização das relações familiares, à igualdade entre os cônjuges, ao respeito mútuo, aos deveres e obrigações recíprocas, à um novo conceito de família, de poder familiar e filiação, o que emerge à necessidade de constantes modificações nas normas jurídicas que nem sempre são acompanhadas pelo legislador.

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Referências

1. Artigo 16, inciso III, da Declaração Universal dos Direitos do Homem.
2. Maria Berenice Dias, Manual de Direito das Famílias, 7ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 28-29.
3. Citada por Adriana Caldas de Rego Freitas Dabus Maluf, Novas Modalidades de Família na Pós-Modernidade. São Paulo: Atlas, 2010. p. 4.

BIBLIOGRAFIA

– Maria Berenice Dias, Manual de Direito das Famílias, 7ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.

– Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald, Direito das Famílias, 3ª edição. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2011.

– Adriana Caldas de Rego Freitas Dabus Maluf, Novas Modalidades de Família na Pós-Modernidade. São Paulo: Atlas, 2010.

Filiação socioafetiva

É a filiação que resulta da posse do estado de filho, constituído na modalidade de parentesco de origem afetiva. Esta filiação corresponde à verdade aparente, assim como decorre do direito à filiação.

O pai afetivo exerce a função de pai, é aquele que ao dar carinho, educação e amor, expõe o verdadeiro significado da relação paterno-filial, caracteriza uma paternidade que não existe em razão do vínculo biológico ou por força de presunção legal, mas em decorrência de uma convivência afetiva. Pode-se dizer que é uma espécie de adoção de fato¹.

Para paternidade socioafetiva, pai não é apenas aquele que possui vínculo genético com a criança, mas acima de tudo, é aquele que presta assistência moral, material e psicológica, cria, educa, dá amor e carinho, enfim exerce a função de pai sempre pensando no melhor interesse do filho.

A filiação socioafetiva é construída através de um ato de vontade, sedimentada no cotidiano da relação familiar, no tratamento e respeito recíproco entre pais e filhos, bem como na publicidade do estado de filho. A verdadeira paternidade é um fato cultural e não biológico, pois o vínculo paterno-filial não está restrito à transmissão de gens².

Para Maria Berenice Dias “em matéria de filiação, a verdade real é o fato de o filho gozar da posse de estado, que comprova o vínculo paternal.” A autora conclui que:

“Constituído o vínculo da parentalidade, mesmo quando desligado da verdade biológica, prestigia-se a situação que preser¬va o elo da afetividade. Não é outro o fundamento que veda a desconstituição do registro de nascimento feito de forma espontânea por aquele que, mesmo sabendo não ser o pai consanguíneo, tem o filho como seu.” 3

Além do artigo 1.593 do Código Civil admitir a possibilidade de parentescos de outras origens como a socioafetiva, a I Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal também editou o enunciado n° 108 admitindo como prova da filiação o vínculo afetivo da relação paterno-filial:

“No fato jurídico do nascimento, mencionado no art. 1.603, compreende-se, à luz do disposto no art. 1.593, a filiação consangüínea e também a socioafetiva.” 4

Outro exemplo da presença da filiação socioafetiva na legislação brasileira é o disposto pelo inciso V do artigo 1.597, ao estabelecer presunção absoluta de paternidade aos filhos concebidos por inseminação artificial heterológica, condicionado à autorização do marido.

A afetividade pode ser discutida em qualquer ação que versa sobre estado de filho. Entretanto, a afetividade só pode ser alegada para comprovar o estado de filiação, de modo que fixada a filiação socioafetiva, afasta-se definitivamente o vínculo genético, não sendo possível pleitear alimentos ou a herança do genitor.

Todavia, à luz do princípio do direito à vida, a cobrança de alimento do genitor biológico é excepcionalmente admitida se o pai socioafetivo não tem condições de prestá-los. É possível, ainda, ao filho afetivo ajuizar uma ação de investigação de paternidade para conhecer sua origem genética, mas sem qualquer efeito patrimonial. 5

Sobre o tema Maria Berenice Dias explica que:

“O reconhecimento da paternidade ou da maternidade socioafetiva produz todos os efeitos pessoais e patrimoniais que lhe são inerentes. O vínculo de filiação socioafetiva, que se legitima no interesse do filho, gera o parentesco socioafetivo para todos os fins de direito, nos limites da lei civil. Se menor, com fundamento no princípio do melhor interesse da criança e do adolescente; se maior, por força do princípio da dignidade da pessoa humana, que não admite um parentesco restrito ou de “segunda classe”. O princípio da solidariedade se aplica a ambos os casos.” 6

Nesse sentido, o Egrégio Superior Tribunal de Justiça proferiu diversas decisões pela primazia da paternidade socioafetiva, colocando a verdade biológica em segundo plano para desconstituir paternidade ou maternidade já consolidadas:

“Em se tratando de adoção à brasileira, a melhor solução consiste em só permitir que o pai-adotante busque a nulidade do registro de nascimento, quando ainda não tiver sido constituído o vínculo de sócio-afetividade com o adotado.” (REsp 1088157/PB, Terceira turma, relator Ministro Massami Uyeda, DJ de 23.06.2009).

“O reconhecimento de paternidade é válido se reflete a existência duradoura do vínculo socioafetivo entre pais e filhos. A ausência de vínculo biológico é fato que por si só não revela a falsidade da declaração de vontade consubstanciada no ato do reconhecimento. A relação socioafetiva é fato que não pode ser, e não é, desconhecido pelo Direito. Inexistência de nulidade do assento lançado em registro civil” (REsp n. 878.941-DF, Terceira Turma, relatora Ministra Nancy Andrighi, DJ de 17.9.2007).

“O termo de nascimento fundado numa paternidade socioafetiva, sob autêntica posse de estado de filho, com proteção em recentes reformas do direito contemporâneo, por denotar uma verdadeira filiação registral – portanto, jurídica –, conquanto respaldada pela livre e consciente intenção do reconhecimento voluntário, não se mostra capaz de afetar o ato de registro da filiação, dar ensejo a sua revogação, por força do que dispõem os arts. 1.609 e 1.610 do Código Civil.” (REsp 709608/MG, Quarta Turma, relator Ministro João Otávio de Noronha, DJ de 5.11.2009).

“Configurados os elementos componentes do suporte fático da filiação socioafetiva, não se pode questionar sob o argumento da diversidade de origem genética o ato de registro de nascimento da outrora menor estribado na afetividade, tudo com base na doutrina de proteção integral à criança.” (REsp 1000356/SP, Terceira Turma, relatora Ministra Nancy Andrighi, DJ de 25.05.2010).

Assim sendo, conclui-se que a paternidade biológica não deve substituir a construção diária e permanente dos laços afetivos, bem como a filiação socioafetiva não mais deve ser contestada, devendo prevalecer sobre as demais espécies de filiação.

 

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Referências

1. Maria Berenice Dias, Manual de Direito das Famílias, 7ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 363-364.
2. Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald, Direito das Famílias, 3ª edição. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2011. p. 614-615.
3. Maria Berenice Dias, Manual de Direito das Famílias, 7ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 364.
4. Jornada de Direito Civil, Organização Ministro Ruy Rosado de Aguiar Jr. – Brasília : CJF, 2007. Disponível em: <http://columbo2.cjf.jus.br/portal/publicacao/download.wsp?tmp.arquivo=1296> Acesso em 27/10/2011.
5. Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald, Direito das Famílias, 3ª edição. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2011. p. 616-620.
6. Maria Berenice Dias, Manual de Direito das Famílias, 7ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 365.

BIBLIOGRAFIA

– Maria Berenice Dias, Manual de Direito das Famílias, 7ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.

– Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald, Direito das Famílias, 3ª edição. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2011.

– Adriana Caldas de Rego Freitas Dabus Maluf, Novas Modalidades de Família na Pós-Modernidade. São Paulo: Atlas, 2010.