Filiação socioafetiva

É a filiação que resulta da posse do estado de filho, constituído na modalidade de parentesco de origem afetiva. Esta filiação corresponde à verdade aparente, assim como decorre do direito à filiação.

O pai afetivo exerce a função de pai, é aquele que ao dar carinho, educação e amor, expõe o verdadeiro significado da relação paterno-filial, caracteriza uma paternidade que não existe em razão do vínculo biológico ou por força de presunção legal, mas em decorrência de uma convivência afetiva. Pode-se dizer que é uma espécie de adoção de fato¹.

Para paternidade socioafetiva, pai não é apenas aquele que possui vínculo genético com a criança, mas acima de tudo, é aquele que presta assistência moral, material e psicológica, cria, educa, dá amor e carinho, enfim exerce a função de pai sempre pensando no melhor interesse do filho.

A filiação socioafetiva é construída através de um ato de vontade, sedimentada no cotidiano da relação familiar, no tratamento e respeito recíproco entre pais e filhos, bem como na publicidade do estado de filho. A verdadeira paternidade é um fato cultural e não biológico, pois o vínculo paterno-filial não está restrito à transmissão de gens².

Para Maria Berenice Dias “em matéria de filiação, a verdade real é o fato de o filho gozar da posse de estado, que comprova o vínculo paternal.” A autora conclui que:

“Constituído o vínculo da parentalidade, mesmo quando desligado da verdade biológica, prestigia-se a situação que preser¬va o elo da afetividade. Não é outro o fundamento que veda a desconstituição do registro de nascimento feito de forma espontânea por aquele que, mesmo sabendo não ser o pai consanguíneo, tem o filho como seu.” 3

Além do artigo 1.593 do Código Civil admitir a possibilidade de parentescos de outras origens como a socioafetiva, a I Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal também editou o enunciado n° 108 admitindo como prova da filiação o vínculo afetivo da relação paterno-filial:

“No fato jurídico do nascimento, mencionado no art. 1.603, compreende-se, à luz do disposto no art. 1.593, a filiação consangüínea e também a socioafetiva.” 4

Outro exemplo da presença da filiação socioafetiva na legislação brasileira é o disposto pelo inciso V do artigo 1.597, ao estabelecer presunção absoluta de paternidade aos filhos concebidos por inseminação artificial heterológica, condicionado à autorização do marido.

A afetividade pode ser discutida em qualquer ação que versa sobre estado de filho. Entretanto, a afetividade só pode ser alegada para comprovar o estado de filiação, de modo que fixada a filiação socioafetiva, afasta-se definitivamente o vínculo genético, não sendo possível pleitear alimentos ou a herança do genitor.

Todavia, à luz do princípio do direito à vida, a cobrança de alimento do genitor biológico é excepcionalmente admitida se o pai socioafetivo não tem condições de prestá-los. É possível, ainda, ao filho afetivo ajuizar uma ação de investigação de paternidade para conhecer sua origem genética, mas sem qualquer efeito patrimonial. 5

Sobre o tema Maria Berenice Dias explica que:

“O reconhecimento da paternidade ou da maternidade socioafetiva produz todos os efeitos pessoais e patrimoniais que lhe são inerentes. O vínculo de filiação socioafetiva, que se legitima no interesse do filho, gera o parentesco socioafetivo para todos os fins de direito, nos limites da lei civil. Se menor, com fundamento no princípio do melhor interesse da criança e do adolescente; se maior, por força do princípio da dignidade da pessoa humana, que não admite um parentesco restrito ou de “segunda classe”. O princípio da solidariedade se aplica a ambos os casos.” 6

Nesse sentido, o Egrégio Superior Tribunal de Justiça proferiu diversas decisões pela primazia da paternidade socioafetiva, colocando a verdade biológica em segundo plano para desconstituir paternidade ou maternidade já consolidadas:

“Em se tratando de adoção à brasileira, a melhor solução consiste em só permitir que o pai-adotante busque a nulidade do registro de nascimento, quando ainda não tiver sido constituído o vínculo de sócio-afetividade com o adotado.” (REsp 1088157/PB, Terceira turma, relator Ministro Massami Uyeda, DJ de 23.06.2009).

“O reconhecimento de paternidade é válido se reflete a existência duradoura do vínculo socioafetivo entre pais e filhos. A ausência de vínculo biológico é fato que por si só não revela a falsidade da declaração de vontade consubstanciada no ato do reconhecimento. A relação socioafetiva é fato que não pode ser, e não é, desconhecido pelo Direito. Inexistência de nulidade do assento lançado em registro civil” (REsp n. 878.941-DF, Terceira Turma, relatora Ministra Nancy Andrighi, DJ de 17.9.2007).

“O termo de nascimento fundado numa paternidade socioafetiva, sob autêntica posse de estado de filho, com proteção em recentes reformas do direito contemporâneo, por denotar uma verdadeira filiação registral – portanto, jurídica –, conquanto respaldada pela livre e consciente intenção do reconhecimento voluntário, não se mostra capaz de afetar o ato de registro da filiação, dar ensejo a sua revogação, por força do que dispõem os arts. 1.609 e 1.610 do Código Civil.” (REsp 709608/MG, Quarta Turma, relator Ministro João Otávio de Noronha, DJ de 5.11.2009).

“Configurados os elementos componentes do suporte fático da filiação socioafetiva, não se pode questionar sob o argumento da diversidade de origem genética o ato de registro de nascimento da outrora menor estribado na afetividade, tudo com base na doutrina de proteção integral à criança.” (REsp 1000356/SP, Terceira Turma, relatora Ministra Nancy Andrighi, DJ de 25.05.2010).

Assim sendo, conclui-se que a paternidade biológica não deve substituir a construção diária e permanente dos laços afetivos, bem como a filiação socioafetiva não mais deve ser contestada, devendo prevalecer sobre as demais espécies de filiação.

 

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Referências

1. Maria Berenice Dias, Manual de Direito das Famílias, 7ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 363-364.
2. Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald, Direito das Famílias, 3ª edição. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2011. p. 614-615.
3. Maria Berenice Dias, Manual de Direito das Famílias, 7ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 364.
4. Jornada de Direito Civil, Organização Ministro Ruy Rosado de Aguiar Jr. – Brasília : CJF, 2007. Disponível em: <http://columbo2.cjf.jus.br/portal/publicacao/download.wsp?tmp.arquivo=1296> Acesso em 27/10/2011.
5. Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald, Direito das Famílias, 3ª edição. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2011. p. 616-620.
6. Maria Berenice Dias, Manual de Direito das Famílias, 7ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 365.

BIBLIOGRAFIA

– Maria Berenice Dias, Manual de Direito das Famílias, 7ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.

– Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald, Direito das Famílias, 3ª edição. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2011.

– Adriana Caldas de Rego Freitas Dabus Maluf, Novas Modalidades de Família na Pós-Modernidade. São Paulo: Atlas, 2010.