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Defeito não reparado em veículo gera anulação da compra e dano moral

A 36ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo manteve decisão que condenou solidariamente uma montadora e uma concessionária de veículos a ressarcirem cliente pela compra de um veículo com vício de fabricação. O cabo de embreagem do automóvel quebrou três vezes no período de seis meses.

Além de restituir o valor do bem, as empresas foram condenadas a ressarcir a compradora pelos prejuízos sofridos, como despesas de táxi, gastos com oficina, aluguel de garagem, honorários advocatícios e também ao pagamento de indenização por dano moral, arbitrado em R$ 30 mil reais. As partes apelaram da sentença.

O relator do recurso, desembargador Pedro Baccarat, reconheceu o vício de fabricação e destacou em seu voto que a injustificada demora na solução do problema configurou dano moral, mas que o valor arbitrado deveria ser alterado. ”A indenização fora fixada em valor excessivo para o dano de pequena monta, impondo-se a redução para R$ 8 mil, com correção e juros incidentes a partir da publicação deste acórdão”, afirmou, mantendo no mais, a sentença apelada.

Os desembargadores Sá Moreira de Oliveira e Gil Cimino também participaram do julgamento e acompanharam o voto do relator.

Apelação n° 0229508-86.2009.8.26.0100

Texto e fonte: Comunicação social TJSP

Caso Escola Base: SBT é condenado por danos morais

A TVSBT Canal 4 de São Paulo terá de pagar R$ 100 mil a cada um dos ex-donos de uma escola infantil pelo dano moral causado com a veiculação de reportagens que os acusavam de abuso sexual contra crianças que lá estudavam. O caso aconteceu em 1994 e ficou nacionalmente conhecido como “o caso Escola Base”.

A Escola Base era uma instituição de ensino localizada no bairro da Aclimação, na cidade de São Paulo. Após denúncia de duas mães sobre suposto abuso de seus filhos, crianças de quatro anos de idade, foi aberto inquérito policial e a imprensa passou a divulgar as acusações com manchetes sensacionalistas, o que incitou a revolta da população.

Houve saques ao colégio, depredação das instalações, ameaças de morte contra os acusados. O inquérito, entretanto, acabou arquivado por falta de provas. Alguns veículos de imprensa chegaram a se retratar, mesmo assim a Escola Base acabou fechando as portas.

Reputação destruída

Os ex-proprietários da escola ajuizaram ação por danos morais contra a TVSBT, alegando que a emissora ajudou a destruir suas reputações, bem como a sua fonte de subsistência.

O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) acolheu o pedido. O acórdão considerou os limites da liberdade de imprensa, destacando que “o exercício abusivo e irresponsável do direito, se causar danos, enseja o dever de indenizar”. Foi confirmado o valor fixado na sentença, de R$ 300 mil para cada um dos autores.

No recurso ao STJ, a TVSBT apoiou-se, basicamente, em três frentes de argumentação: valor indenizatório exorbitante, ausência de responsabilidade objetiva da emissora e inépcia da inicial.

Para a emissora, a alegação de responsabilidade objetiva deveria ser afastada porque o TJSP não poderia ter aplicado o Código Civil de 2002 a evento ocorrido em 1994.

Já a inépcia da inicial foi amparada no argumento de que os autores da ação não juntaram de imediato as fitas com as matérias jornalísticas pertinentes ao caso, que foram requeridas pelo juiz. Segundo a emissora, apenas com a prova testemunhal não poderia ter sido reconhecida a causa de pedir, porque os autores “deixaram de especificar o dia, o programa e o conteúdo das imagens e das matérias supostamente divulgadas”.

Provimento parcial

Em relação à aplicação do Código Civil de 2002, o ministro Villas Bôas Cueva, relator, observou que, como o tema não foi debatido pelas instâncias ordinárias, nem sequer de forma implícita, não tendo sido nem mesmo objeto de embargos declaratórios, a pretensão ficou prejudicada por incidência da Súmula 282 do Supremo Tribunal Federal.

Sobre a inépcia da inicial, o relator destacou que as decisões de primeira e segunda instâncias entenderam estar presentes os pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo.

O ministro citou, ainda, trecho do acórdão recorrido segundo o qual a prova testemunhal colhida demonstrou de forma suficiente que a emissora, diariamente, apresentou “reportagens de conteúdo inverídico e sensacionalista” sobre fatos supostamente criminosos imputados aos donos da escola, fatos estes que foram posteriormente desmentidos, “o que lhes causou sérios danos à honra e imagem”.

Quanto ao valor da condenação, o relator admitiu a revisão por entender que o montante fixado foi desproporcional à ofensa sofrida, e reduziu de R$ 300 mil para R$ 100 mil a indenização para cada um dos ex-proprietários do estabelecimento.

A notícia refere-se ao seguinte processo: REsp 1215294

Fonte e texto: Coordenadoria de Editoria e Imprensa do STJ.

Terceira Turma aplica relativização da coisa julgada em investigação de paternidade

Por maioria de votos, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu provimento a recurso especial para retratar julgamento que reconheceu a coisa julgada em investigação de paternidade confirmada sem a realização de exame de DNA. A decisão aplicou ao caso o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) que, em repercussão geral, admitiu a relativização da coisa julgada nas ações em que não foi possível determinar a efetiva existência de vínculo genético.

O caso envolveu uma ação de investigação de paternidade ajuizada em 1990 e julgada procedente com base em provas documentais e testemunhais. Em 2004, após a realização de dois exames de DNA, foi constatada a ausência de vínculo genético entre pai e filho. O suposto pai, então, moveu ação negatória de paternidade.

A sentença julgou procedente a ação. Foi determinada a retificação do registro civil e o fim do pagamento de alimentos. A decisão, entretanto, foi reformada em acórdão de apelação.

No recurso especial interposto, o STJ manteve a decisão do tribunal de origem. Na época, a jurisprudência da Corte era firme no sentido de que “se está firmada a paternidade, com base nas provas então disponíveis, não é possível pretender a anulação do registro que daí decorre”.

Repercussão geral

Em 2011, entretanto, no julgamento do Recurso Extraordinário 363.889, o STF, sob o instituto da repercussão geral, consolidou o entendimento de que “deve ser relativizada a coisa julgada estabelecida em ações de investigação de paternidade em que não foi possível determinar-se a efetiva existência de vínculo genético a unir as partes, em decorrência da não realização do exame de DNA, meio de prova que pode fornecer segurança quase absoluta quanto à existência de tal vínculo”.

Diante dessa orientação, o recurso foi submetido a nova apreciação no STJ e o relator, ministro Sidnei Beneti, concluiu pela retratação do julgamento anterior.

“Firmou-se no Supremo Tribunal Federal que, se na ação anterior, reconhecendo a paternidade (seja na procedência da investigatória movida pelo filho, seja na improcedência da negatória movida pelo genitor), não houve exame de DNA (omissão decorrente de fato não atribuível ao genitor – o que seria questão nova, não constante do julgamento de repercussão geral, que não enfocou a matéria à luz do artigo 2º, parágrafo único, da Lei de Investigação de Paternidade –, nem se chegando, também, nem mesmo a tangenciar a análise da Súmula 301/STJ), essa ausência de exame de DNA anterior é o que basta para admissão da nova ação”, disse Beneti.

A investigação de paternidade dos filhos tidos fora do casamento é regulada pela Lei 8.560/92. A Súmula 301 do STJ diz que “em ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz presunção juris tantum de paternidade”.

O voto do relator foi acompanhado pela maioria dos integrantes da Turma.

Fonte e texto: Coordenadoria de Editoria e Imprensa do STJ.

As consequências do jeitinho brasileiro na adoção ilegal de crianças

O número de crianças e jovens aptos para a adoção no Brasil é de 5,4 mil, segundo dados de outubro de 2013 do Cadastro Nacional de Adoção (CNA). O cadastro foi criado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em abril de 2008, para centralizar as informações dos Tribunais de Justiça do país sobre pretendentes e crianças disponíveis para encontrar uma nova família – e também para auxiliar os juízes na condução dos processos de adoção.

Apesar de seu esforço para acelerar esses procedimentos, a Justiça ainda não consegue evitar a prática de algumas famílias, que se utilizam do “jeitinho brasileiro” para adotar crianças. É a chamada adoção à brasileira.

A adoção à brasileira se caracteriza “pelo reconhecimento voluntário da maternidade/paternidade, na qual, fugindo das exigências legais pertinentes ao procedimento de adoção, o casal (ou apenas um dos cônjuges/companheiros) simplesmente registra o menor como seu filho, sem as cautelas judiciais impostas pelo estado, necessárias à proteção especial que deve recair sobre os interesses da criança”, explicou a ministra Nancy Andrighi em um de seus julgados sobre o tema.

Da diferenciação à igualdade 

A Constituição Federal de 1988 (CF) encerrou definitivamente a diferenciação de direitos estabelecida pelo Código Civil de 1916, entre filhos legítimos, ilegítimos e adotados (artigos 337 a 378).

Estabeleceu no parágrafo 6º do artigo 227 que os filhos provindos ou não do casamento, ou de adoção, possuem os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.

O Código Civil de 2002 (CC/02) seguiu o ordenamento constitucional ao tratar do assunto no seu artigo 1.596. Definiu no artigo 1.618 que a adoção de crianças e adolescentes deveria ser feita de acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA(Lei 8.069/90) –, o qual foi aperfeiçoado pela Lei 12.010/09, chamada Lei da Adoção, aprimorando a sistemática para garantia do direito à convivência familiar a todas as crianças e adolescentes.

Ao tratar do assunto, o Código Penal estabeleceu que a prática da adoção à brasileira é criminosa, prevendo inclusive pena de reclusão de dois a seis anos. É o chamado crime contra o estado de filiação, trazido pelo artigo 242: dar parto alheio como próprio; registrar como seu o filho de outrem; ocultar recém-nascido ou substituí-lo, suprimindo ou alterando direito inerente ao estado civil.

Suspeita de tráfico 

Além de sujeitar o adotante a essas sanções penais, a adoção informal pode dar margem à suspeita de outros crimes, como se viu em caso julgado recentemente no Superior Tribunal de Justiça (STJ), sob relatoria do ministro Paulo de Tarso Sanseverino.

O recurso em habeas corpus trouxe a história de um bebê recém-nascido, entregue pelos pais biológicos a um casal. A entrega foi intermediada por terceiro, que possivelmente recebeu R$ 14 mil. A mãe biológica também teria recebido uma quantia de R$ 5 mil pela entrega da filha.

No registro da criança constou o nome da mãe biológica e do pai adotante, que se declarou genitor do bebê. A criança permaneceu com o casal adotante por aproximadamente quatro meses, até ser recolhida a um abrigo em virtude da suspeita de tráfico de criança.

O Ministério Público de Santa Catarina ajuizou ação de busca e apreensão do bebê, com pedido de destituição do poder familiar do pai registral e da mãe biológica, bem como de nulidade do registro de nascimento. O juízo de primeira instância deferiu em caráter liminar o acolhimento institucional da criança. O casal impetrou habeas corpus pedindo o desabrigamento da criança e a sua guarda provisória.

Com a negativa do habeas corpus pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC), o casal recorreu ao STJ. Afirmou que a criança estava sofrendo “danos psicológicos irreversíveis” em virtude da retirada do lar e que não houve tráfico de criança.

Antes de 2009, o STJ tinha o entendimento pacífico de que não era possível a discussão de questões relativas à guarda e adoção de crianças e adolescentes utilizando-se a via do habeas corpus. Entretanto, em julgamentos a partir dessa data, os magistrados da Corte têm excepcionado o entendimento “à luz do superior interesse da criança e do adolescente”, esclareceu Sanseverino. Segundo o ministro, a análise do caso deve se limitar à validade da determinação legal de acolhimento institucional do menor e posterior encaminhamento para adoção.

Situação de risco

A Terceira Turma negou provimento ao recurso. De acordo com Sanseverino, não houve ilegalidade no acolhimento institucional da criança. O ministro explicou que o acolhimento não foi devido apenas à preservação do CNA, legalidade contida no artigo 50 do ECA, ou em virtude da fraude no registro, mas também porque foi identificada uma “situação de risco concreto à integridade moral e psicológica da infante, diante da suspeita da ocorrência de crime de tráfico de criança”.

Ao analisar os autos, Sanseverino afirmou que, mesmo sem a comprovação do pagamento pela criança, ela foi efetivamente negociada pelos envolvidos. O ministro ressaltou que a conduta do casal, que passou por cima das normas legais para alcançar seu objetivo, “coloca em dúvida os seus padrões éticos, tão necessários para a criação de uma criança”.

“Tal situação, a meu ver, não pode ser endossada pelo Poder Judiciário, sob pena de desestimular pretensos adotantes a seguir os trâmites legais, e, em última análise, estimular o tão repugnante comércio de bebês”, garantiu o ministro.

Parentalidade socioafetiva

A jurisprudência do STJ tem exemplos de casos em que crianças foram adotadas ilegalmente, de maneira consciente e voluntária, por pessoas que após determinado tempo resolveram negar a paternidade, ignorando o vínculo socioafetivo criado. Nesses julgados, é possível perceber a prevalência da paternidade socioafetiva.

Nesse sentido, foi julgado o recurso de um pai que requereu a anulação do registro de nascimento das filhas da esposa. Ele alegou que foi induzido a registrá-las como suas filhas, quando na realidade não o eram. Só depois da propositura da ação, as filhas descobriram que ele não era seu pai biológico.

O pai alegou que deveria prevalecer a verdade real, mesmo havendo vínculo socioafetivo entre eles. Sustentou que o registro deveria ser anulado por erro de vontade. Porém, não obteve sucesso no recurso interposto no STJ.

A Quarta Turma negou provimento ao recurso do pai, acompanhando o voto do relator, ministro Luis Felipe Salomão. Segundo ele, nos dias de hoje, a paternidade “deve ser considerada gênero do qual são espécies a paternidade biológica e a socioafetiva. Assim, em conformidade com os princípios do CC/02 e da CF/88, o êxito em ação negatória de paternidade depende da demonstração, a um só tempo, da inexistência de origem biológica, e também de que não tenha sido constituído o estado de filiação, fortemente marcado pelas relações socioafetivas e edificado na convivência familiar”.

Salomão observou que a pretensão voltada à impugnação da paternidade não pode prosperar, “quando fundada apenas na origem genética, mas em aberto conflito com a paternidade socioafetiva”.

O ministro ponderou que se a declaração sobre a origem genética realizada pelo autor na ocasião do registro foi uma inverdade, “certamente não o foi no que toca ao desígnio de estabelecer com as então infantes vínculos afetivos próprios do estado de filho, verdade em si bastante à manutenção do registro de nascimento e ao afastamento da alegação de falsidade ou erro”.

Limbo jurídico

Entendimento semelhante foi proferido pela Terceira Turma ao julgar recurso especial de relatoria da ministra Nancy Andrighi. Um pai ajuizou ação negatória de paternidade, na qual alegou tê-la reconhecido sob ameaças e pressões da mãe da criança. Requereu também a realização de exame de DNA, para comprovar a inexistência de vínculo biológico.

A ação foi proposta quando a criança já tinha cinco anos de idade. Em virtude da comprovação da ausência de vínculo biológico pelo exame, tanto a primeira instância quanto o TJSC determinaram a retificação do registro civil.

Ao julgar o recurso do Ministério Publico local contra o acórdão do tribunal catarinense, o STJ decidiu que não ocorreu vício de consentimento quando do registro da criança, nem que o pai tenha sido induzido a erro.

De acordo com Nancy Andrighi, em processos que lidam com o direito de filiação, “as diretrizes determinantes da validade de uma declaração de reconhecimento de paternidade devem ser fixadas com extremo zelo e cuidado, para que não haja possibilidade de uma criança ser prejudicada por um capricho de pessoa adulta que, conscientemente, reconhece paternidade da qual duvidava, e depois de cinco anos se rebela contra a declaração produzida, colocando a menor em limbo jurídico e psicológico”.

A ministra afirmou que, mesmo na ausência do vínculo genético, o registro da criança como filha, “realizado de forma consciente, consolidou a filiação socioafetiva”. Para Nancy Andrighi, é “inequívoco” o fato de que ele assumiu, “em ação volitiva, não coagida, a paternidade sociafetiva”.

Em outro recurso, o ministro Massami Uyeda (hoje aposentado) considerou que, “em se tratando de adoção à brasileira, a melhor solução consiste em só permitir que o pai adotante busque a nulidade do registro de nascimento, quando ainda não tiver sido constituído o vínculo de socioafetividade com o adotado”.

Direito à verdade biológica 

Outra discussão que surge no STJ é sobre a possibilidade de o vínculo socioafetivo com o pai registrário impedir o reconhecimento da paternidade biológica ou a obrigação patrimonial.

Sobre o assunto, a Terceira Turma decidiu que o adotado ilegalmente, mesmo usufruindo de uma relação socioafetiva com o pai registrário, tem direito, se quiser, a tomar conhecimento de sua “real história” e ter acesso à sua “verdade biológica”, pois “o reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, assentado no princípio da dignidade da pessoa humana” – como afirmou a relatora, ministra Nancy Andrighi.

No caso julgado, uma mulher em idade madura ajuizou ação de investigação de paternidade, cumulada com petição de herança, pois o pai já era falecido. Na ocasião do seu nascimento, ela foi registrada como filha do marido de sua mãe, mesmo sendo filha biológica de outro homem.

Diante da confirmação do vínculo biológico trazida pelo exame de DNA, os herdeiros do pai sustentaram que, nesse caso, deveria prevalecer a paternidade socioafetiva em relação à biológica, pois se tratava de um caso de adoção à brasileira. Alegaram ainda que tanto a adoção como o registro civil eram irrevogáveis.

Segundo Nancy Andrighi, existe amplo reconhecimento da maternidade e paternidade socioafetivas pela doutrina e jurisprudência, bem como a possibilidade de ela prevalecer sobre a verdade biológica. “Trata-se do fenômeno denominado pela doutrina como a ‘desbiologização da paternidade’, o qual leva em consideração que a paternidade e a maternidade estão mais estreitamente relacionadas à convivência familiar do que ao mero vínculo biológico”, explicou a ministra.

Por outro lado, a ministra também esclareceu que, se é o próprio filho quem busca o reconhecimento do vínculo biológico, não é razoável que seja imposta a ele a prevalência da paternidade socioafetiva para impedir sua pretensão.

Obrigação patrimonial

Mesmo nas hipóteses em que a adoção é feita de maneira legal, nos termos do ECA e da Lei da Adoção, é assegurado ao adotado o direito de conhecer sua origem biológica (artigo 48). Contudo, lembrou Nancy Andrighi, quando uma adoção é efetivada pelos trâmites legais, há o “rompimento definitivo do vínculo familiar”. E se o adotado desejar conhecer sua origem biológica, “essa investigação não gera consequências de cunho patrimonial”.

Diferentemente, na adoção à brasileira, “embora não caiba a anulação do registro de nascimento (salvo na hipótese de erro), por iniciativa daquele que fez a declaração falsa, diante da voluntariedade expressada (artigo 1.604 do CC/02) e da necessidade de proteger os interesses do próprio adotado, se a pretensão for investigatória e advier da própria vontade do filho interessado, é assegurado a ele o direito à verdade e a todas as suas consequências, incluindo as de caráter patrimonial”, afirmou a ministra.

Busca pelos pais biológicos

Conforme afirmou o ministro Luis Felipe Salomão em outro recurso especial, “a tese segundo a qual a paternidade socioafetiva sempre prevalece sobre a biológica deve ser analisada com bastante ponderação, e depende sempre do exame do caso concreto”.

O recurso tratou da história de uma mulher registrada pelos pais adotantes como se fossem seus genitores, depois de ter sido entregue pela mãe biológica ainda bebê. Posteriormente, a mãe biológica passou a conviver com ela como sua madrinha de batismo. O pai biológico possivelmente nem sabia da existência da filha.

Na adolescência, ela soube que sua mãe era, na verdade, a madrinha. Porém, somente após a morte dos pais registrais, e contando 47 anos de idade, soube a identidade do pai biológico e propôs a ação de investigação de paternidade e maternidade, cumulada com anulação de registro.

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) julgou improcedente o pedido da autora, pois entendeu que a existência do vínculo socioafetivo entre os pais registrais e a autora da ação afastava a possibilidade de reconhecimento da paternidade biológica. No STJ, o entendimento do tribunal gaúcho foi reformado. A Quarta Turma deu provimento ao recurso da mulher.

De acordo com o relator, a paternidade biológica gera “necessariamente” uma responsabilidade que não se desfaz com a prática ilícita da adoção à brasileira, “independentemente da nobreza dos desígnios que a motivaram”. No mesmo sentido, “a filiação socioafetiva desenvolvida com os pais registrais não afasta os direitos da filha resultantes da filiação biológica, não podendo haver equiparação entre a adoção regular e a chamada adoção à brasileira”.

Salomão explicou que a paternidade socioafetiva prevalece sobre a biológica para garantir direitos aos filhos, entretanto, ela não prevalece quando é o filho que busca a paternidade biológica em detrimento da socioafetiva.

O raciocínio deve ser aplicado para as adoções à brasileira, já que a adoção legal, conforme dispõe o ECA, é irrevogável e desliga o adotado de qualquer vínculo com pais e parentes (artigos 39, parágrafo 1º, e 41).

Pedido de terceiro

A Terceira Turma negou provimento ao recurso de um irmão que queria anular o registro de nascimento da irmã, afirmando que o pai havia praticado adoção ilegal.

A filha foi registrada em 1955, quando já possuía sete anos de idade e, segundo o recorrente, por insistência da então companheira de seu pai. Após aproximadamente 37 anos do registro, o fato foi tornado público e a filha tomou conhecimento de como aconteceu o seu registro. Daí se originou a ação ajuizada pelo irmão, para desconstituir a declaração de paternidade feita por seu pai biológico em relação à irmã adotada ilegalmente.

A relatora do caso foi a ministra Nancy Andrighi que, ao citar o artigo 1.601 do CC/02, lembrou que se restringe ao marido a legitimidade para contestar a paternidade dos filhos nascidos de sua mulher, e ao filho a legitimidade para ajuizamento de ação de prova de filiação (artigo 1.606).

Todavia, a ministra ressaltou que esse leque foi ampliado pelo artigo 1.604, legitimando aqueles que provassem a existência de erro ou falsidade. Nesse último caso se encaixaria o interesse do irmão em contestar a paternidade.

A relatora ponderou que, se de um lado não há vínculo biológico entre o pai registral e a recorrida, a alteração do registro civil “deve ser avaliada à luz da existência de uma relação de filiação socioafetiva consolidada e construída sobre ações de boa-fé do pai socioafetivo”.

Nancy Andrighi entendeu que o pai registral, mesmo sem possuir vínculo biológico, ao registrar de forma consciente a criança como filha, consolidou a filiação socioafetiva. E embora a adoção tenha acontecido à margem da lei, a situação concretizou para a adotada a condição de filha, “que não pode ser enjeitada por aquele que registrou, nem ao menos contestada por terceiros”, avaliou.

De acordo com a ministra, a relação socioafetiva “não é constatada somente por meio de um convívio perene, mas no momento da declaração do pai registral, porque de outra forma se construiria relação filial sujeita às intempéries da vida, que podem determinar o afastamento de pessoas que mantinham íntima convivência, como de fato ocorreu na espécie”.

Direitos assegurados

Dessa maneira, nos recursos em que os adotantes ilegais queiram, tempos depois, negar a paternidade de seus filhos, ou quando terceiros alegam erro ou falsidade no ato do registro, percebe-se a prevalência da paternidade socioafetiva, “em nome da primazia dos interesses do menor”, explicou Nancy Andrighi.

Nos casos em que os filhos adotados ilegalmente buscam o reconhecimento dos pais biológicos, a tendência é que a verdade biológica prevaleça, em razão do “princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, estabelecido no artigo 1º, inciso III, da CF/88”, e que traz em seu bojo “o direito à identidade biológica e pessoal” – ponderou a ministra.

Fonte e texto: Coordenadoria de Editoria e Imprensa do STJ.

Concessionária deve pagar indenização por morte em rodovia

A Companhia de Concessão Rodoviária Juiz de Fora-Rio (Concer) deve pagar R$ 90 mil como indenização de danos morais à mãe de uma criança vítima de atropelamento ocorrido em 2004, no Rio de Janeiro. A criança, que estava em companhia da avó e da irmã, foi atropelada e morta na faixa de pedestres, quando tentava atravessar a pista no km 54 da BR-040, rodovia que liga Brasília ao Rio, passando por Belo Horizonte.

A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) considerou que a concessionária foi omissa, por não manter as condições de segurança. Segundo a perícia, o local do acidente não tinha iluminação pública, e a sinalização vertical e horizontal era precária. A alegação de que o trecho estava em obras na época do acidente não foi suficiente para isentar a empresa.

A Turma entendeu que a responsabilidade da concessionária decorreu da falta de cuidado na conservação da rodovia. No mesmo local, segundo informações constantes no processo, 39 pessoas teriam morrido antes que a concessionária instalasse uma passarela para pedestres.

Culpa da vítima 

O juízo de primeiro grau havia condenado a concessionária a pagar R$ 90 mil por danos morais e pensão de um salário mínimo mensal, desde a data em que a vítima completaria 14 anos até o dia em que faria 70 anos de idade. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), contudo, reformou a decisão, por entender que houve culpa exclusiva da vítima.

O TJRJ considerou, após depoimento de uma líder comunitária da região, que não houve cautela da avó e das crianças ao cruzar a pista. Elas estavam em um ônibus que enguiçou e deveriam aguardar a chegada de outro ônibus, que as levaria em segurança ao local de destino, do outro lado da rodovia. No entanto, optaram por cruzar a rodovia, enfrentando uma situação de perigo.

No recurso ao STJ, a mãe da menor alegou que a concessionária tinha responsabilidade civil pelo acidente. A concessionária, por sua vez, sustentou que não havia responsabilidade objetiva porque não deu causa ao atropelamento, nem responsabilidade subjetiva porque não foi caracterizada nenhuma das modalidades de culpa. Alegou que não poderia ter construído passarela no local à época por falta de previsão contratual.

CDC 

Segundo o relator no STJ, ministro Luis Felipe Salomão, as concessionárias de serviço, nas suas relações com o usuário, subordinam-se aos preceitos do Código de Defesa do Consumidor (CDC) e respondem objetivamente pelos defeitos na prestação do serviço.

No caso, a concessionária cobra pedágio dos usuários da estrada. Mas, conforme o entendimento da Quarta Turma, a autora da ação é consumidora por equiparação, em relação ao defeito na prestação do serviço. Salomão explicou que o artigo 17 do CDC “estende o conceito de consumidor àqueles que, mesmo não tendo sido consumidores diretos, acabam por sofrer as consequências do acidente de consumo”.

O ministro afirmou que a delegação recebida pela concessionária que explora a rodovia, com a transferência da titularidade da prestação de serviços, baseia-se na demonstração de sua capacidade para o desempenho da atividade contratada, que deve exercer em seu nome e por sua conta e risco, sendo remunerada na exata medida da exploração do serviço.

“Daí decorre a responsabilidade objetiva, não só advinda da relação de consumo e do risco inerente à atividade, mas em razão da previsão constitucional insculpida no artigo 37, parágrafo 6°, que prevê que as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”, disse ele.

Nexo causal 

A Quarta Turma considerou que ficou comprovado o nexo causal entre a omissão da concessionária e o dano ocorrido. O fato de a travessia ter sido feita à noite e sem a devida cautela não bastou para afastar a responsabilidade. Segundo Salomão, o fato exclusivo da vítima é relevante para interrupção do nexo causal quando seu comportamento for o fato decisivo ou causa única do sinistro.

Salomão ressaltou que a segurança é inerente ao serviço de exploração da rodovia, independentemente de ela estar ou não em obras. A própria concessionária teria admitido a deficiência do serviço no local, quando se apressou a instalar passarela para pedestres naquele trecho, após a morte da menor.

A indenização por danos morais foi mantida como na sentença. Com relação aos danos materiais, o STJ fixou para a mãe a pensão mensal de dois terços do salário mínimo, dos 14 aos 25 anos de idade da vítima, e de um terço a partir daí, até a data em que a falecida completaria 65 anos.

A notícia refere-se ao seguinte processo: REsp 1268743

Fonte e texto: Coordenadoria de Editoria e Imprensa do STJ.

Quarta Turma determina revisão de contrato que gerou dívida bilionária

A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou que a Justiça Federal na Paraíba reexamine o caso de um cidadão cuja dívida com a Caixa Econômica Federal (CEF) passou de um valor equivalente a R$ 6,6 mil em 1993 para R$ 1,225 bilhão em 2007. Ao anular a sentença que havia mantido a execução da CEF contra o consumidor, pessoa física, os ministros ordenaram o retorno do processo à primeira instância, para análise de possíveis abusos nas cláusulas do contrato de mútuo e eventual realização de perícia contábil.

Segundo o relator do caso, ministro Luis Felipe Salomão, o valor original da dívida – correspondente na época ao preço de um carro popular – alcançou, em 14 anos, o equivalente ao preço de 55.180 carros populares. Para ele, em vez de rejeitar os embargos à execução opostos pelo devedor, o juízo de primeira instância “deveria ter revisado o contrato de adesão”, para apurar eventual abuso nos encargos, conforme previsto pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC).

O devedor alega que, após a assinatura do contrato, em novembro de 1993, a CEF teria engendrado uma equação matemática unilateral e imprecisa, para chegar ao valor de mais de R$ 1,225 bilhão em 2007. O Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5) confirmou a sentença que julgara improcedentes os embargos à execução, afirmando que caberia ao devedor ter contestado a veracidade das informações prestadas pela contadoria judicial, segundo as quais o valor cobrado pela CEF seria adequado às disposições do contrato.

CDC

A defesa do executado alegou em recurso ao STJ que seria possível a incidência do Código de Defesa do Consumidor e, consequentemente, a revisão judicial do contrato. O feito relativo aos embargos está sobrestado no TRF desde novembro de 2009, e o processo executivo foi arquivado em abril de 2012, por não haver bens para penhora, podendo ser reativado se tais bens forem localizados.

De acordo com o relator, “é pacífica a submissão dos contratos bancários às regras do CDC”. Ele acrescentou que a Segunda Seção do STJ firmou em recurso repetitivo o entendimento de que “é admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em situações excepcionais, desde que caracterizada a relação de consumo e que a abusividade fique cabalmente demonstrada ante as peculiaridades do julgamento em concreto”.

A Quarta Turma entendeu ainda que é possível o questionamento das cláusulas contratuais de mútuo em embargos do devedor, tanto quanto em ação revisional, porque ambas têm o caráter de demanda cognitiva prejudicial à execução. Além disso, segundo o ministro Salomão, os embargos veiculam matéria ampla de defesa – pois visam discutir a própria formação do título executivo – e excesso de execução, o que, se acolhido, acarretará a redução do débito.

Embora seja vedado ao juiz apreciar de ofício (sem provocação da parte) o caráter abusivo de cláusulas bancárias, Salomão observou que, no caso julgado, o devedor tentou caracterizar essa abusividade ao apontar excesso de execução, principalmente por causa da suposta ilegalidade dos índices de juros e correção monetária, da comissão de permanência, do IOF e dos juros moratórios.

Perícia rejeitada

Em seu voto, Luis Felipe Salomão destacou que o devedor havia requerido a produção de prova pericial, mas a CEF se manifestou contrária, ao argumento de que a planilha apresentada teria seguido rigorosamente as cláusulas do contrato. A perícia foi indeferida pelo juiz.

“Por reiteradas vezes, a contadoria judicial solicitou ao juízo fosse oficiada a CEF para esclarecer sobre a memória de cálculos apresentada, denotando, assim, não só a complexidade das contas, como também a absoluta falta de clareza na sua elaboração”, relatou o ministro. Ele comentou que os cálculos da contadoria foram de fato realizados com observância das cláusulas contratuais, “especialmente aquelas manifestamente abusivas”.

O relator apontou que a mesma dívida, em 2001, a partir das mesmas taxas de juros informadas pela CEF (37,92% a 47,01% ao mês), foi calculada em dois valores diferentes: R$ 111,9 mil e R$ 8,8 milhões. O último valor prevaleceu na execução.

A notícia refere-se ao seguinte processo: REsp 1148247

Fonte e texto: Coordenadoria de Editoria e Imprensa do STJ.

Após 30 anos, condômino pode continuar usando área comum sem pagar

Por maioria de votos, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) declarou nula a alteração de convenção condominial que instituiu cobrança de ocupação exclusiva de área comum a um condômino que, por mais de 30 anos, usufruiu do espaço apenas com a responsabilidade de sua conservação e limpeza. Para os ministros, a imposição do pagamento violou direito adquirido do morador.

A situação aconteceu em um condomínio de São Paulo. O morador do último apartamento, residente no local desde 1975, sempre teve acesso exclusivo ao terraço do prédio. A convenção condominial estabelecida naquele ano garantiu a ele o direito real de uso sobre a área, com atribuição, em contrapartida, dos ônus decorrentes da conservação do local.

Mais de 30 anos depois, por votação majoritária de dois terços dos condôminos, a assembleia modificou o direito real do morador para personalíssimo, fazendo com que seu direito de uso não pudesse ser transmitido, a nenhum título. Além disso, foi estipulada cobrança mensal de taxa de ocupação, “não inferior ao valor de uma contribuição condominial ordinária por unidade”.

Convenção mantida 

Na Justiça, o morador alegou que essas alterações só seriam válidas se houvesse unanimidade na votação. Ressaltou a inobservância do direito adquirido, já que utiliza privativamente o terraço do edifício desde agosto de 1975, e pediu indenização por dano moral – além da declaração de nulidade da decisão da assembleia e do restabelecimento do direito real de uso sobre o terraço, de forma perpétua.

O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) manteve a sentença que negou provimento ao pedido. O quórum qualificado, de dois terços dos condôminos, foi considerado suficiente para a alteração, e além disso a taxa de contribuição foi considerada justa.

Segundo o acórdão, “a alteração aprovada na assembleia não retirou o direito de uso do terraço pelos autores e, consoante o artigo 1.340 do Código Civil, estabeleceu que as despesas das partes comuns de uso exclusivo de um condômino ou de alguns deles incumbem a quem delas se serve”.

No STJ, o relator, ministro Marco Buzzi, reconheceu a legitimidade do quórum da assembleia e disse que não é possível atribuir à área direito real, pois, “do contrário, estar-se-iam consolidando, em verdade, os direitos inerentes à propriedade de área comum nas mãos de um dos condôminos, o que destoa dos contornos gizados no parágrafo 2º do artigo 1.331 do Código Civil”.

Direito adquirido

Em relação à fixação de uma contribuição de ocupação, após 30 anos de exercício do direito, Buzzi destacou que o STJ tem reconhecido a impossibilidade de se alterar o uso exclusivo de determinada área comum, conferido a um ou alguns dos condôminos, em virtude da consolidação de tal situação jurídica no tempo.

“Tem-se que o uso privativo de área comum por mais de 30 anos, sem a imposição de qualquer contraprestação destinada a remunerá-lo, consubstancia direito adquirido”, concluiu o relator.

A notícia refere-se ao seguinte processo: REsp 1035778

Fonte e texto: Coordenadoria de Editoria e Imprensa do STJ.

STJ reconhece inadimplência do Grêmio em contrato de cessão de jogador firmado com o Flamengo

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve decisão que reconheceu a inadimplência do clube Grêmio Football Porto Alegrense em relação a 50% do valor do contrato de cessão de direitos do jogador Rodrigo Fabiano Mendes, de R$ 3,3 milhões, firmado com o Clube de Regatas do Flamengo.

Conforme o acordado, o Grêmio deveria pagar 50% do valor na data da cessão. O pagamento dos outros 50% ficaria condicionado à permanência do jogador. O clube poderia ficar com o jogador, ou o devolver ao Flamengo – nesse caso, não precisaria pagar o restante.

Após a quitação da primeira parcela, o Grêmio informou ao Flamengo que não tinha mais interesse no objeto do contrato e que não pagaria a segunda parcela. Contudo, antes que o atleta retornasse ao Flamengo, o Grêmio celebrou novo contrato com ele, pela metade do valor.

Execução

Diante do inadimplemento da segunda parcela, o Flamengo moveu ação para execução do contrato de cessão. O juízo de primeiro grau deferiu a penhora sobre a renda do Grêmio, em substituição à penhora do bem imóvel de sua propriedade, que teria valor superior ao da dívida.

Inconformado, o clube apelou contra essa decisão. Afirmou que optou pela alternativa de cumprimento da obrigação que não envolvia pagamento, com o retorno do jogador ao clube. Defendeu que a sentença violou o artigo 333, inciso I, do Código de Processo Civil ao inverter o ônus probatório.

O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) entendeu que o Grêmio estava inadimplente, pois não havia cumprido a obrigação, conforme o acordado.

“O não cumprimento das obrigações por qualquer das partes contratantes dá ensejo ao surgimento de crédito, podendo o credor da obrigação não adimplida ajuizar demanda executiva tendo como fundamento o contrato”, afirmou.

O TJRJ defendeu ainda que o cumprimento da obrigação cabe ao contratante e não ao jogador, objeto do contrato firmado. Por essa razão, “torna-se irrelevante a vontade do atleta para o adimplemento da obrigação”.

Lei Pelé 

O clube recorreu ao STJ. Alegou violação a dispositivos referentes à inversão do ônus da prova, à boa-fé e à simulação perante o contrato celebrado à luz da Lei Pelé. Sustentou a nulidade da execução, em razão da “incerteza, iliquidez e inexigibilidade” do título.

“A convicção a que chegou o acórdão decorreu da análise do instrumento contratual e do conjunto fático-probatório dos autos, e o acolhimento da pretensão recursal demandaria o reexame dos mencionados suportes, obstando a admissibilidade do especial os enunciados 5 e 7 da Súmula desta Corte”, afirmou o ministro Sidnei Beneti, relator.

Ele explicou que, segundo a Lei Pelé (Lei 9.615/98), o contrato do atleta profissional deve conter uma cláusula que permita a sua transferência para outro clube, durante o período de vigência contratual.

Entretanto, “o clube contratante deverá pagar a rescisão, cujo valor deverá estar expresso no documento e não poderá ser superior a duas mil vezes o valor do salário mensal no momento do desligamento do atleta”, disse Beneti.

A notícia refere-se aos seguintes processos: REsp 1324955 REsp 1365421

Texto e fonte: Coordenadoria de Editoria e Imprensa do STJ.

As obrigações do fiador no contrato de locação – atualizada

Para a maioria das pessoas, gera desconforto prestar fiança a amigos ou parentes. Não é pra menos. Ser a garantia da dívida de alguém é algo que envolve riscos. Antes de afiançar uma pessoa, é preciso ficar atento às responsabilidades assumidas e, sobretudo, à relação de confiança que se tem com o afiançado. Afinal, não são poucas as histórias de amizades e relações familiares rompidas que começaram com um contrato de fiança.

Prova disso são os casos envolvendo fiança que chegam ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). Impasses que levaram a uma expressiva coletânea de precedentes e à edição de súmulas.

A fiança é uma garantia fidejussória, ou seja, prestada por uma pessoa. Uma obrigação assumida por terceiro, o fiador, que, caso a obrigação principal não seja cumprida, deverá arcar com o seu cumprimento.

Ela tem natureza jurídica de contrato acessório e subsidiário, o que significa que depende de um contrato principal, sendo sua execução subordinada ao não cumprimento desse contrato principal pelo devedor.

Fiança não é aval

É importante não confundir fiança e aval. Apesar de também ser uma garantia fidejussória, o aval é específico de títulos de crédito, como nota promissória, cheque, letra de câmbio. A fiança serve para garantir contratos em geral, não apenas títulos de crédito.

O aval também não tem natureza jurídica subsidiária, é obrigação principal, dotada de autonomia e literalidade. Dispensa contrato, decorre da simples assinatura do avalista no titulo de crédito, pelo qual passa a responder em caso de inadimplemento do devedor principal.

Entrega das chaves

Em um contrato de aluguel, portanto, o proprietário do imóvel exigirá um fiador, não um avalista e, até a entrega das chaves, será ele a segurança financeira da locação do imóvel.

Essa “entrega das chaves”, no entanto, tem gerado muita discussão nos tribunais, sobretudo nas execuções contra fiadores em contratos prorrogados, sem a anuência destes.

O enunciado da Súmula 214 do STJ diz que “o fiador na locação não responde por obrigações resultantes de aditamento ao qual não anuiu”. Em contratos por prazo determinado, então, não poderia haver prorrogação da fiança sem a concordância do fiador, certo? Depende.

Nessas situações, a jurisprudência do STJ disciplina que, existindo no contrato de locação cláusula expressa prevendo que os fiadores respondem pelos débitos locativos, até a efetiva entrega do imóvel, subsiste a fiança no período em que o referido contrato foi prorrogado, mesmo sem a anuência do fiador (AREsp 234.428).

No julgamento do Recurso Especial 1.326.557, o ministro Luis Felipe Salomão, relator, destacou que esse entendimento já era aplicado nos contratos firmados antes da nova redação conferida ao artigo 39 da Lei 8.245/91 (Lei do Inquilinato), introduzida pela Lei 12.112/ 09. O quera jurisprudência virou lei.

De acordo com o dispositivo, “salvo disposição contratual em contrário, qualquer das garantias da locação se estende até a efetiva devolução do imóvel, ainda que prorrogada a locação por prazo indeterminado, por força desta Lei”. Ou seja, para que a fiança não seja prorrogada automaticamente, é necessário que no contrato esteja especificado que o fiador ficará isento de responsabilidade na hipótese de prorrogação do contrato.

“Diante do novo texto legal, fica nítido que, para contratos de fiança firmados na vigência da Lei 12.112/09 – pois a lei não pode retroagir para atingir pactos anteriores à sua vigência –, salvo pactuação em contrário, o contrato de fiança, em caso de prorrogação da locação, por prazo indeterminado, também prorroga-se automaticamente a fiança, resguardando-se, durante essa prorrogação, evidentemente, a faculdade de o fiador exonerar-se da obrigação, mediante notificação resilitória”, explicou Salomão.

Notificação resilitória

O Código Civil de 2002 também trouxe mudanças em relação à exoneração do fiador. Enquanto o Código de 1916 determinava que a exoneração somente poderia ser feita por ato amigável ou por sentença judicial, o novo código admite que a fiança, sem prazo determinado, gera a possibilidade de exoneração unilateral do fiador.

Para que isso aconteça, o fiador deve notificar o credor sobre a sua intenção de exonerar-se da fiança. A exoneração, contudo, não é imediata. De acordo com a nova redação da Lei 8.245/91, o fiador fica obrigado por todos os efeitos da fiança durante 120 dias após a notificação do credor. Neste caso, o locador notifica o locatário para apresentar nova garantia locatícia no prazo de 30 dias, sob pena de desfazimento da locação.

Novo fiador 

Além dos casos de exoneração, o locador também pode exigir a troca do fiador nas seguintes situações: morte do fiador; ausência, interdição, recuperação judicial, falência ou insolvência do fiador declarados judicialmente; alienação ou gravação de todos os bens imóveis do fiador ou sua mudança de residência sem comunicação do locador e também ao final de contratos por tempo determinado.

Foi o que aconteceu no julgamento do Recurso Especial 902.796, contra uma ação de despejo. Ao término do contrato de aluguel, por prazo determinado e sem previsão de prorrogação, o locador exigiu a apresentação de novo fiador, mas a providência solicitada não fui cumprida.

O locatário argumentou que “não cometeu qualquer falta contratual capaz de suscitar a rescisão e o consequente despejo. Isso porque, em sendo a avença prorrogada por tempo indeterminado, não haveria para ele, ainda que instado a tanto pela locadora, qualquer obrigação de apresentar novo fiador”, que estaria responsável pela garantia do imóvel até a entrega das chaves.

A ministra Laurita Vaz, relatora, negou provimento ao recurso sob o fundamento de que, sendo a fiança ajustada por prazo certo, “há expressa previsão legal – artigo 40, inciso V, da Lei 8.245/91 –, a permitir ao locador que exija a substituição da garantia fidejussória inicialmente prestada, notificando o locatário desse propósito e indicando-lhe prazo para o cumprimento”.

Outorga uxória

O locador também deve ficar atento às formalidades da lei no que diz respeito à outorga uxória do fiador. A outorga uxória é utilizada como forma de impedir a dilapidação do patrimônio do casal por um dos cônjuges. Por isso, a fiança prestada sem a anuência do cônjuge do fiador é nula. É exatamente daí que vem o enunciado da Súmula 332 do STJ: “Fiança prestada sem autorização de um dos cônjuges implica a ineficácia total da garantia.”

No julgamento de Recurso Especial 1.095.441, no entanto, a Sexta Turma relativizou o entendimento. No caso, o fiador se declarou separado, mas vivia em união estável. Na execução da garantia do aluguel, sua companheira alegou a nulidade da fiança porque não contava com sua anuência, mas os ministros entenderam que permitir a anulação seria beneficiar o fiador, que agiu de má-fé.

“Esse fato, ao que se pode depreender, inviabiliza, por si só, a adoção do entendimento sumulado por esta Casa, pois, do contrário, seria beneficiar o fiador quando ele agiu com a falta da verdade, ao garantir o negócio jurídico”, disse o ministro Og Fernandes, relator.

O ministro observou também que a meação da companheira foi garantida na decisão, o que, segundo ele, afasta qualquer hipótese de contrariedade à lei.

Fiança e morte

A outorga uxória vincula o cônjuge até mesmo com a morte do fiador. De acordo com a jurisprudência do STJ, a garantia, que foi prestada pelo casal, não é extinta com o óbito, persistindo seus efeitos em relação ao cônjuge (REsp 752.856).

O mesmo não acontece, entretanto, se o locatário morre. Antes da alteração da Lei do Inquilinato, os débitos advindos depois do falecimento, não eram direcionados ao fiador.

Com as alterações de 2009, o fiador poderá exonerar-se das suas responsabilidades no prazo de 30 (trinta) dias, contado do recebimento da comunicação do falecimento, ficando responsável pelos efeitos da fiança durante 120 (cento e vinte) dias após a notificação ao locador.

Benefício de Ordem

Se, todavia, nos embargos à execução não puder ser invocada a ausência de outorga uxória ou mesmo a morte do locatário, poderá o fiador lançar mão do Benefício de Ordem.

O Benefício de Ordem é o direito que se garante ao fiador de exigir que o credor acione primeiramente o devedor principal. Isto é, que os bens do devedor sejam executados antes dos seus.

No entanto, o fiador não poderá se aproveitar deste benefício se no contrato de fiança estiver expressamente renunciado ao benefício; se declarar-se como pagador principal ou devedor solidário; ou se o devedor for insolvente ou falido.

Não adianta nem mesmo alegar que a cláusula de renúncia é abusiva, como foi feito no Recurso Especial 851.507, também de relatoria do ministro Arnaldo Esteves de Lima.

“Enquanto disposta de forma unilateral – característica do contrato de adesão – é abusiva e criadora de uma situação de extrema desvantagem para o polo hipossuficiente da relação contratual firmada, qual seja a locatária e seu fiador, impossibilitados de discutir ou de alterar quaisquer cláusulas do contrato objeto da execução”, alegou a defesa.

A irresignação não prosperou porque, segundo o relator, a renúncia ao Benefício de Ordem prevista é expressamente autorizada pelo artigo 828 do Código Civil.

Bem de família

É importante atentar também que, uma vez assumida a obrigação de fiador, não será possível alegar impenhorabilidade de bens na execução, ainda que se trate de seu único imóvel, ou seja, o bem de família.

Foi o que aconteceu no julgamento do Recurso Especial 1.088.962, de relatoria do ministro Sidnei Beneti. No caso, o tribunal de origem considerou o imóvel como bem de família e afastou a penhora, mas o acórdão foi reformado.

“Destaca-se que o Supremo Tribunal Federal, em votação plenária, proferiu julgamento no Recurso Extraordinário 407688, segundo o qual o único imóvel (bem de família) de uma pessoa que assume a condição de fiador em contrato de aluguel pode ser penhorado, em caso de inadimplência do locatário”, justificou o ministro.

A medida está amparada no artigo 3º da Lei 8.009/90, que traz expresso: “A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movida por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação.”

No julgamento do Recurso Especial 1.049.425, o ministro Hamilton Carvalhido, relator, chegou a manifestar sua opinião sobre a inconstitucionalidade da lei, mas, diante do entendimento do STF que considerou constitucional a penhora e da jurisprudência do STJ, votou conforme o entendimento firmado, mesmo sem concordar.

“A meu sentir, fere o princípio constitucional de igualdade, não podendo prevalecer, ainda mais quando, por norma constitucional posterior à lei, firmou-se o caráter social da moradia. Este Tribunal, entretanto, acompanhando a decisão da Corte Suprema, tem assentado a regularidade da aludida exceção, inclusive para os contratos de aluguel anteriores à vigência da Lei nº 8.245/91”, apontou Carvalhido.

A notícia refere-se aos seguintes processos: AREsp 234428 REsp 1326557 REsp 902796 REsp 1095441 REsp 752856 REsp 851507 REsp 1088962 REsp 1049425

Texto e fonte: Coordenadoria de Editoria e Imprensa do STJ.

Configuração de crime de apropriação indébita previdenciária não exige dolo específico

Não há necessidade da comprovação do dolo específico no crime de apropriação indébita previdenciária. A decisão é da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao julgar embargos em que uma denunciada pelo Ministério Público Federal (MPF), no Estado de Sergipe, pedia a aplicação de efeitos infringentes a um recurso em que se discutia a necessidade do dolo para configuração do crime.

Conforme decisão da Turma, a conduta descrita no artigo 168-A do Código Penal está centrada no verbo “deixar de repassar”, sendo desnecessária, para a consumação do delito, a comprovação do fim específico de se apropriar de valores destinados à Previdência Social. A denunciada argumentava que para a caracterização do crime era necessário a intenção de se apropriar de valores da Previdência.

O recurso foi julgado em agosto de 2012 sob a relatoria do ministro Gilson Dipp, e os embargos tiveram solução no final do ano passado sob a relatoria da ministra Regina Helena Costa. O objetivo da denunciada era manter decisão do Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5), que entendeu haver a necessidade da comprovação do dolo. 

Dolo específico

Para o órgão, o crime de apropriação indébita não se exaure com o mero deixar de pagar, exigindo dolo específico. O TRF5, por maioria, entendeu que o MPF não conseguiu demonstrar na denúncia os elementos essenciais à configuração do tipo penal. A rotineira fiscalização, limitada ao exame das folhas de salários, não seria suficiente para atestar o propósito do não recolhimento.

O ministro Gilson Dipp, ao analisar o recurso, entendeu que o STJ já tem entendimento pacificado no sentido de que a conduta descrita no tipo do artigo 168-A do Código Penal é centrada no verbo “deixar de passar”. O crime se consuma com o simples não recolhimento das contribuições previdenciárias descontadas dos empregados no prazo legal.

A relatora dos embargos, ministra Regina Helena, entendeu que a fundamentação adotada na decisão do ministro Dipp é suficiente para respaldar a conclusão adotada. O processo deve retornar ao tribunal de origem para julgamento da apelação, pois não compete ao STJ realizar juízo de condenação para o caso, pois poderia haver supressão de instância.

“A partir da tese jurídica decidida no recurso especial, qual seja a da conduta descrita no artigo 168-A, do Código Penal, não impõe a demonstração do dolo específico, compete ao tribunal de origem o julgamento, a fim de verificar, sob tal prisma, o acerto da sentença”, afirmou a ministra.

A notícia refere-se ao seguinte processo: REsp 1266880

Texto e fonte: Coordenadoria de Editoria e Imprensa do STJ.